terça-feira, 3 de março de 2009

VERSOS ÍNTIMOS


Simplesmente magnífico! Um dos meus poemas preferidos. "Versos Íntimos" do sensacional Augusto dos Anjos; fala por sí só. É preciso apenas refletir.


Versos Íntimos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Augusto dos Anjos


Esses são “Versos Íntimos”, escritos em 1906 pelo poeta Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, a compor um dos mais declamados trabalhos deste enigmático discípulo de Baudelaire, cuja breve vida esteve marcada por um intenso questionamento filosófico, disseminado por toda a sua obra."Versos Íntimos" foi incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", organizado por Ítalo Moriconipara a Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 61Augusto dos Anjos: O Poeta da Espiritualidade Referendado como o poeta da morte, dos cemitérios, dos ossos e da carne em putrefação, Augusto dos Anjos, ao contrário do que muitos imaginam, segreda em sua obra poética uma filosofia libertária, capaz de nos guiar pela senda da mais pura transcendência."Versos Íntimos” expõem, de modo formal e cruel, a nossa efêmera condição, fadados que estamos a nos prostrar na lama sepulcral, não sem antes experimentarmos toda a sorte desofrimentos advindos do relacionamento humano. Só mesmo a perfeição faria toda a filosofia de Hobbes, a considerar o homem lobo do próprio homem, caber assim metrificada nos 14versos (geralmente dois quartetos e dois tercetos)decassílabos heróicos (a 6ª e a 10ª sílabas são tônicas), de um único soneto. O poeta observa laconicamente o definhar denossos sonhos, lembra-nos a todos de que a ingratidão é o presente natural que nossas mãos estão acostumadas a receberpor toda a vida. Ele nos adverte acerca das traições a que estamos sempre sujeitos e, por isso, considera inútilqualquer espécie de remorso que possamos sentir esboçar-se em nosso peito. São versos realistas, eivados de um pessimismo desconcertante, a reproduzir o comportamento da sociedade hipócrita à qual estamos condenados desde o nascimento Por dizer verdades como essas, Augusto dos Anjos pagou seu preço. Sua poesia, considerada por muitos impressionista,não agrada à maioria, posto que seus versos rasgam as principais feridas da natureza humana, não acostumada a falar da morte sem estremecer, pouco disposta a observar os erros de sua maneira absurdamente competitiva de viver.Entretanto, se nos detivermos mais serenamente sobre sua obra, encontraremos – não obstante os termos difíceis poronde esbanja o cientificismo – toda uma mística que lhe serve de arcabouço, inequívoca função compensatória para o pessimismo declarado do poeta, sempre a questionar severamente o sentido de nossas vidas. Em alguns de seus sonetos e outras partes não tão popularizadas de seus versos, de paramo-nos com um caráter filosófico ocultista absolutamente singular em toda a literatura brasileira. O poeta apresenta genuínas reflexões à moda esotérica, em versos sublimados por uma religiosidade espiritualista,voltados para a libertação e transcendência da nossa alma,que, no mais das vezes, vive atormentada.

2 comentários:

  1. impressionante, fantastica a descriçao deste homem, tao acima de tudo e de todos...

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  2. Versos ìntimos,de Augusto dos Anjos,não ésimplesmente um poema,mas uma galáxia simbólica de sentimentos de angústia e desesperança como expressão do homem:
    vida x morte, ingratidão x humanismo,
    não morte x não vida, revolta x fuga,
    esperança x desesperança,etc.

    Ramos Pontes
    Maranguape - Ce

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